Os estímulos do meio ambiente
externo e interno captados pelo organismo podem ser categorizados, não só pelos
seus aspectos físicos (“Isto é café; aquela é uma xícara”), como, também,
conforme a resposta emocional do indivíduo ao estímulo (“Este café está ótimo!”).
Deve ser dito que qualquer estímulo pode ser percebido pela sua qualidade
afetiva e esta, por sua vez, irá influenciar os termos que utilizamos para
descrevê-lo para as outras pessoas ou para nós mesmos.
As regiões cerebrais
subcorticais encarregadas de responderem a certos fatos ou situações com
emoções já estão presentes nas crianças recém-nascidas, isto é, naquelas que
ainda não aprenderam a falar. Por outro lado, as regiões do cérebro ligadas à
fala só irão se desenvolver mais tarde. Assim, somente a partir dos três anos,
a criança que se sentiu bem ou mal, triste ou alegre, animada ou desanimada
poderá traduzir a “linguagem/sentimento” do organismo para a linguagem através
de palavras. Os termos que empregamos para expressarmos as emoções sentidas
variam conforme a cultura, pois cada uma tem seu vocabulário próprio, alguns
muito mais ricos que outros.
Os sentimentos, conforme esse
foco, são percepções e, nesse sentido, são comparáveis a outras percepções. Por
exemplo: as percepções visuais correspondem a objetos exteriores ao corpo,
cujas características físicas - luz, cores, formato, posição, movimento, etc. -
alteram o estado das nossas retinas e modificam temporariamente os padrões
sensitivos dos mapas do sistema visual. Os sentimentos, do mesmo modo, também
têm um objeto imediato que está na origem de uma série de sinais que transitam
através de mapas dentro do cérebro. Como no caso da percepção visual, uma parte
do fenômeno ocorrido no sentimento se deve à construção interna que o cérebro faz
de aspectos do objeto que está sendo focalizado.
Mas os objetos e as situações
que constituem as origens imediatas dos sentimentos estão colocados no corpo e
não fora dele, como a xícara e o café estão; não há, como na visão, gosto e
olfação, sensações diretas do objeto. Os objetos imediatos provocadores do
percebido, como a quentura, a cor, os movimentos da mão e o sabor do café atuam
como conteúdos para o objeto mental (psicológico) e os sentimentos
desencadeados.
Chamo a atenção do leitor para
o enfatizado acima, pois quando há referência ao objeto “de uma emoção ou de um
sentimento” é necessário qualificar a diferença, ou seja, deixar bem claro qual
objeto está sendo referido. Segundo o dicionário “Houaiss”, o verbete “objeto”
pode ser entendido, entre outras coisas, como: 1- coisa material que pode ser
percebida pelos sentidos; 2- coisa mental ou física para a qual converge o
pensamento, um sentimento ou uma ação; 3- Filosofia - qualquer realidade
investigada em um ato cognitivo, apreendida pela percepção e/ou pelo
pensamento, que está situada em uma dimensão exterior à subjetividade
cognoscente; por oposição a sujeito; 4- Psicologia - aquilo que é discriminado
no ato de percepção, representação ou pensamento pela universalidade dos
indivíduos, independente dos desejos e opiniões destes.
Como se nota, o verbete
“objeto” pode ser entendido como “coisa material que pode ser percebida pelos
sentidos”, ou seja, existente fora da pessoa, objetiva, e, também, “coisa
mental, representação, pensamento pela universalidade dos indivíduos, etc.”,
isto é, existente internamente, na mente da pessoa, subjetiva.
Assim, quando falamos acerca
do panorama observado, como, por exemplo, uma tempestade, ventos, trovões,
relâmpagos e raios, eles podem ser chamados de objetos (informações físicas que
são percebidas ou detectadas através dos nossos órgãos dos sentidos). Deve ser
notado que tais informações (estímulos físicos) podem provocar emoções.
O estado corporal emocional
criado, que pode ser resultante da observação da tempestade, recebe também o
nome de “objeto”, mas, nesse caso, pode ser definido como “coisa mental ou
física para a qual converge o pensamento, um sentimento ou uma ação”. É esse
último “objeto” que dá origem ao que se denomina sentimento. Ele é um objeto,
cuja percepção irá servir de base à essência do sentimento, nos provocando
sensações corporais agradáveis ou desagradáveis. Portanto, há uma tempestade
real, com trovoadas e relâmpagos, fora da mente da pessoa observadora, mas há internalizado
na mente do observador uma “outra” tempestade com relâmpagos e trovoadas. Esta
última somente está presente como realidade subjetiva, capaz de provocar
emoções diferentes conforme cada indivíduo particular. Por outro lado, a
“tempestade física” é uma só; um objeto “objetivo” e não subjetivo.
Esse é um atual problema das
ciências exatas. Sua “exatidão” é, em parte, ilusória. Sem dúvida, sabemos que
há uma realidade externa que nos estimula (tempestade, gosto e cheiro do café),
estudada e “comprovada” em muitos aspectos. Entretanto, sempre - não há como
escapar disso - nós, os seres humanos e outros animais, utilizamos do objeto
interno, do subjetivo. Nunca podemos alcançar o objeto de fora, pois
produzimos, utilizando as informações recebidas, com os órgãos sensoriais que
possuímos (não os do cão, águia, sapo ou abelha), uma representação do objeto
existente no exterior.
O objeto existente no interior
do cérebro do indivíduo, o imediato e provocador do sentimento, bem como a
representação desse objeto, é construído a partir da reunião de várias partes
percebidas; sons, luzes, mudança de temperatura, umidade, etc., ou seja, um
fenômeno natural que alguns dão o nome de “tempestade”. As partes reconstruídas
do objeto pela mente podem se influenciar mutuamente numa espécie de processo
reflexivo ou reverberante (persistência de um som ou sinal depois de ter sido
extinta sua emissão por uma fonte).
Explicando melhor. Suponhamos
que você, ao mexer nos retratos antigos, olha com mais interesse para um deles,
isto é, fixa e seleciona uma fotografia muito especial, a de uma pessoa muita
amada durante a juventude. Tudo indica que a foto, ela mesma, não irá mudar - a
não ser por ações de baratas e formigas -, no pior das hipóteses poderá
adquirir um ligeiro amarelão que, neste caso, poderá ser até charmoso. Por mais
que fitemos a fotografia, olhando-a de longe, de perto, de cabeça para baixo,
etc., a amada sonhada nos tempos idos lá permanece dando seu belo e costumeiro
sorriso, próprio dos jovens.
Entretanto, o objeto mental, o
interno, de quem está olhando, por estar em nossa mente agora e não lá naqueles
tempos saudosos, nos evocarão sentimentos misturados. Um primeiro sentimento
será um calorzinho, uma batida um pouco mais forte no coração, uma opressão no
tórax, etc. (as sensações totais ficam por conta do leitor). Em cascata, cada
uma das lembranças focalizadas ou selecionadas, sem nenhum esforço de nossa
mente cansada e saudosa, aleatoriamente irão criar outras e outras lembranças,
todas elas carregadas de diversos sentimentos: o primeiro encontro, o medo de
não ser correspondido, a segurança da conquista, o primeiro passeio, o beijo
desajeitado mais perto do nariz que dos lábios...
Mas, também e lamentavelmente,
vão surgindo outras e outras recordações, uma dando origem à outra. Algumas
lembranças podem ser negativas: as primeiras brigas, mais brigas, as tréguas e
os armistícios, novas lutas e a separação final carregada de tristeza e alívio,
tudo quase ao mesmo tempo. Em cada instante o objeto mental vai sendo
modificado; ora ficamos calmos, ora alegres; às vezes, decepcionados, irados ou
culpados. Em certos momentos, lágrimas molham nossos olhos de saudade, noutros,
suspiros de alívio por estar longe dos contratempos. Tudo numa constante transformação.
Enquanto isso minha ex-amada está paralisada, presa à imagem, sempre sorridente
e, pior ainda, sem se importar com meus sentimentos. Mulher maldita! Não posso
gostar de uma mulher assim, que pouco se importa com meus sofrimentos. Rasgo o
retrato e ponho-o no lixo. Na manhã seguinte, arrependido retira-o com cuidado
do meio dos papéis e cascas de laranja; colo parte por parte. Com extremo
cuidado, guardo-o novamente com carinho, junto de outras recordações. Antes do
ato final, peço perdão a minha ex-amada pela violência, dou-lhe um beijo e
guardo-a num envelope cor-de-rosa. A maldita continua sorrindo. Seria de mim?
Faça seu teste, meu querido
leitor: lembre-se de um episódio semelhante ao descrito, de um amor, de um
grande amigo, da turma do primário, do científico, da universidade, de uma
festa ou viagem. Observe o retrato que você guardou há anos. Procure-o, não
desista; ele deve estar lá, esquecido nos álbuns ou nas caixas de papelão de
sapatos. Procure observá-lo com calma e com tempo, sozinho, sem que haja
ninguém por perto para importuná-lo.
Em seguida, faça uma
regressão; retorne ao passado, ao tempo antigo da inocência e dos sonhos
grandiosos. Lentamente, respirando calmamente, comece a “navegar” através das
ondas emocionais e imagens que vão brotando e se dissipando em sua mente. Vai
lhe emocionar mais que a de um filme.
Tente perceber, ao mesmo tempo
em que vai assistindo as cenas que vão sendo exibida na sua tela particular,
também seu estado emocional/corporal interno. De outro modo, procure se
informar do que está sentindo diante e conforme cada quadro que está sendo
mostrado ou rodado no seu filme especial e particular. Descubra, sintetizando,
um nome bonito para esse novo filme que você criou nesse momento de folga. Para
ajudá-lo, lembrando-se dos meus retratos examinados, sugiro o título: “Um
regresso ao passado”: com produção e direção de XZ; você e sua amada serão os
protagonistas principais dessa linda e triste história de amor.
Caso não tenha gostado desse
nome, talvez você goste de algum dos seguintes: “Como era verde meu vale”;
“Acima de qualquer suspeita”; “Um romance muito perigoso”; “Uma história de
amor”; “A malvada”; “Encontros e desencontros”; “Paixão e loucura”; “Cruel
desengano”; “Quanto mais idiota melhor”; “Assim estava escrito”; “Segredos do
passado”; “A outra face da verdade”; “Meu primeiro amor”; “Paixão eterna”; “Um
amor verdadeiro”; “Suplício de uma saudade”; “Em algum lugar do passado”;
“Tarde demais para esquecer”; “Aconteceu naquela noite” ou “Tudo por amor”.
Não gostou? Paciência! Não me
lembro de outros títulos. Invente um melhor. Estamos conversados.
Os sentimentos construídos
pela mente do observador de um objeto externo e distante, como no exemplo do
exame dos retratos antigos, não são de todo uma percepção passiva. A imagem ou
representação global, uma vez instalada, formada por diversas partes, irá
provocar sentimentos de alegria ou de tristeza, de raiva ou de solidariedade,
tudo fabricado por nossa mente, sem nenhum esforço nosso. É como um filme sem roteiro,
que, a cada instante, mostra cenas diferentes e aleatoriamente. Diante de cada
cena surgem emoções diferentes que dão origem a sentimentos também diferentes
que podem ou não ser descritos através de palavras: “Eu estava feliz naquele
dia”; “Como fui ingênuo”; “Devia ter sido mais condescendente”; “Como aguentei
aquela diabinha maluca”; “Perdi uma mulher extraordinária. Que bobeira; nunca
mais descobri outra igual”.
Durante todo o processo do
sentimento - produção e recordação - que pode durar segundo, minutos e dias,
paralelamente ocorre um recrutamento dinâmico no corpo: uma mudança continuada
do metabolismo, liberação de neurotransmissores e peptídeos, contrações
musculares ou relaxamentos, tudo isso conforme as variações dinâmicas das
diversas imagens formadas durante nossa viagem à percepção do retrato da paixão
de nossa vida, isto é, do sentimento produzido