quinta-feira, 19 de julho de 2012

Estímulo e Qualidade Afetiva


Os estímulos do meio ambiente externo e interno captados pelo organismo podem ser categorizados, não só pelos seus aspectos físicos (“Isto é café; aquela é uma xícara”), como, também, conforme a resposta emocional do indivíduo ao estímulo (“Este café está ótimo!”). Deve ser dito que qualquer estímulo pode ser percebido pela sua qualidade afetiva e esta, por sua vez, irá influenciar os termos que utilizamos para descrevê-lo para as outras pessoas ou para nós mesmos.
As regiões cerebrais subcorticais encarregadas de responderem a certos fatos ou situações com emoções já estão presentes nas crianças recém-nascidas, isto é, naquelas que ainda não aprenderam a falar. Por outro lado, as regiões do cérebro ligadas à fala só irão se desenvolver mais tarde. Assim, somente a partir dos três anos, a criança que se sentiu bem ou mal, triste ou alegre, animada ou desanimada poderá traduzir a “linguagem/sentimento” do organismo para a linguagem através de palavras. Os termos que empregamos para expressarmos as emoções sentidas variam conforme a cultura, pois cada uma tem seu vocabulário próprio, alguns muito mais ricos que outros.
Os sentimentos, conforme esse foco, são percepções e, nesse sentido, são comparáveis a outras percepções. Por exemplo: as percepções visuais correspondem a objetos exteriores ao corpo, cujas características físicas - luz, cores, formato, posição, movimento, etc. - alteram o estado das nossas retinas e modificam temporariamente os padrões sensitivos dos mapas do sistema visual. Os sentimentos, do mesmo modo, também têm um objeto imediato que está na origem de uma série de sinais que transitam através de mapas dentro do cérebro. Como no caso da percepção visual, uma parte do fenômeno ocorrido no sentimento se deve à construção interna que o cérebro faz de aspectos do objeto que está sendo focalizado.

Mas os objetos e as situações que constituem as origens imediatas dos sentimentos estão colocados no corpo e não fora dele, como a xícara e o café estão; não há, como na visão, gosto e olfação, sensações diretas do objeto. Os objetos imediatos provocadores do percebido, como a quentura, a cor, os movimentos da mão e o sabor do café atuam como conteúdos para o objeto mental (psicológico) e os sentimentos desencadeados.

Chamo a atenção do leitor para o enfatizado acima, pois quando há referência ao objeto “de uma emoção ou de um sentimento” é necessário qualificar a diferença, ou seja, deixar bem claro qual objeto está sendo referido. Segundo o dicionário “Houaiss”, o verbete “objeto” pode ser entendido, entre outras coisas, como: 1- coisa material que pode ser percebida pelos sentidos; 2- coisa mental ou física para a qual converge o pensamento, um sentimento ou uma ação; 3- Filosofia - qualquer realidade investigada em um ato cognitivo, apreendida pela percepção e/ou pelo pensamento, que está situada em uma dimensão exterior à subjetividade cognoscente; por oposição a sujeito; 4- Psicologia - aquilo que é discriminado no ato de percepção, representação ou pensamento pela universalidade dos indivíduos, independente dos desejos e opiniões destes.

Como se nota, o verbete “objeto” pode ser entendido como “coisa material que pode ser percebida pelos sentidos”, ou seja, existente fora da pessoa, objetiva, e, também, “coisa mental, representação, pensamento pela universalidade dos indivíduos, etc.”, isto é, existente internamente, na mente da pessoa, subjetiva.

Assim, quando falamos acerca do panorama observado, como, por exemplo, uma tempestade, ventos, trovões, relâmpagos e raios, eles podem ser chamados de objetos (informações físicas que são percebidas ou detectadas através dos nossos órgãos dos sentidos). Deve ser notado que tais informações (estímulos físicos) podem provocar emoções.

O estado corporal emocional criado, que pode ser resultante da observação da tempestade, recebe também o nome de “objeto”, mas, nesse caso, pode ser definido como “coisa mental ou física para a qual converge o pensamento, um sentimento ou uma ação”. É esse último “objeto” que dá origem ao que se denomina sentimento. Ele é um objeto, cuja percepção irá servir de base à essência do sentimento, nos provocando sensações corporais agradáveis ou desagradáveis. Portanto, há uma tempestade real, com trovoadas e relâmpagos, fora da mente da pessoa observadora, mas há internalizado na mente do observador uma “outra” tempestade com relâmpagos e trovoadas. Esta última somente está presente como realidade subjetiva, capaz de provocar emoções diferentes conforme cada indivíduo particular. Por outro lado, a “tempestade física” é uma só; um objeto “objetivo” e não subjetivo.

Esse é um atual problema das ciências exatas. Sua “exatidão” é, em parte, ilusória. Sem dúvida, sabemos que há uma realidade externa que nos estimula (tempestade, gosto e cheiro do café), estudada e “comprovada” em muitos aspectos. Entretanto, sempre - não há como escapar disso - nós, os seres humanos e outros animais, utilizamos do objeto interno, do subjetivo. Nunca podemos alcançar o objeto de fora, pois produzimos, utilizando as informações recebidas, com os órgãos sensoriais que possuímos (não os do cão, águia, sapo ou abelha), uma representação do objeto existente no exterior.

O objeto existente no interior do cérebro do indivíduo, o imediato e provocador do sentimento, bem como a representação desse objeto, é construído a partir da reunião de várias partes percebidas; sons, luzes, mudança de temperatura, umidade, etc., ou seja, um fenômeno natural que alguns dão o nome de “tempestade”. As partes reconstruídas do objeto pela mente podem se influenciar mutuamente numa espécie de processo reflexivo ou reverberante (persistência de um som ou sinal depois de ter sido extinta sua emissão por uma fonte).

Explicando melhor. Suponhamos que você, ao mexer nos retratos antigos, olha com mais interesse para um deles, isto é, fixa e seleciona uma fotografia muito especial, a de uma pessoa muita amada durante a juventude. Tudo indica que a foto, ela mesma, não irá mudar - a não ser por ações de baratas e formigas -, no pior das hipóteses poderá adquirir um ligeiro amarelão que, neste caso, poderá ser até charmoso. Por mais que fitemos a fotografia, olhando-a de longe, de perto, de cabeça para baixo, etc., a amada sonhada nos tempos idos lá permanece dando seu belo e costumeiro sorriso, próprio dos jovens.

Entretanto, o objeto mental, o interno, de quem está olhando, por estar em nossa mente agora e não lá naqueles tempos saudosos, nos evocarão sentimentos misturados. Um primeiro sentimento será um calorzinho, uma batida um pouco mais forte no coração, uma opressão no tórax, etc. (as sensações totais ficam por conta do leitor). Em cascata, cada uma das lembranças focalizadas ou selecionadas, sem nenhum esforço de nossa mente cansada e saudosa, aleatoriamente irão criar outras e outras lembranças, todas elas carregadas de diversos sentimentos: o primeiro encontro, o medo de não ser correspondido, a segurança da conquista, o primeiro passeio, o beijo desajeitado mais perto do nariz que dos lábios...

Mas, também e lamentavelmente, vão surgindo outras e outras recordações, uma dando origem à outra. Algumas lembranças podem ser negativas: as primeiras brigas, mais brigas, as tréguas e os armistícios, novas lutas e a separação final carregada de tristeza e alívio, tudo quase ao mesmo tempo. Em cada instante o objeto mental vai sendo modificado; ora ficamos calmos, ora alegres; às vezes, decepcionados, irados ou culpados. Em certos momentos, lágrimas molham nossos olhos de saudade, noutros, suspiros de alívio por estar longe dos contratempos. Tudo numa constante transformação. Enquanto isso minha ex-amada está paralisada, presa à imagem, sempre sorridente e, pior ainda, sem se importar com meus sentimentos. Mulher maldita! Não posso gostar de uma mulher assim, que pouco se importa com meus sofrimentos. Rasgo o retrato e ponho-o no lixo. Na manhã seguinte, arrependido retira-o com cuidado do meio dos papéis e cascas de laranja; colo parte por parte. Com extremo cuidado, guardo-o novamente com carinho, junto de outras recordações. Antes do ato final, peço perdão a minha ex-amada pela violência, dou-lhe um beijo e guardo-a num envelope cor-de-rosa. A maldita continua sorrindo. Seria de mim?

Faça seu teste, meu querido leitor: lembre-se de um episódio semelhante ao descrito, de um amor, de um grande amigo, da turma do primário, do científico, da universidade, de uma festa ou viagem. Observe o retrato que você guardou há anos. Procure-o, não desista; ele deve estar lá, esquecido nos álbuns ou nas caixas de papelão de sapatos. Procure observá-lo com calma e com tempo, sozinho, sem que haja ninguém por perto para importuná-lo.

Em seguida, faça uma regressão; retorne ao passado, ao tempo antigo da inocência e dos sonhos grandiosos. Lentamente, respirando calmamente, comece a “navegar” através das ondas emocionais e imagens que vão brotando e se dissipando em sua mente. Vai lhe emocionar mais que a de um filme.

Tente perceber, ao mesmo tempo em que vai assistindo as cenas que vão sendo exibida na sua tela particular, também seu estado emocional/corporal interno. De outro modo, procure se informar do que está sentindo diante e conforme cada quadro que está sendo mostrado ou rodado no seu filme especial e particular. Descubra, sintetizando, um nome bonito para esse novo filme que você criou nesse momento de folga. Para ajudá-lo, lembrando-se dos meus retratos examinados, sugiro o título: “Um regresso ao passado”: com produção e direção de XZ; você e sua amada serão os protagonistas principais dessa linda e triste história de amor.

Caso não tenha gostado desse nome, talvez você goste de algum dos seguintes: “Como era verde meu vale”; “Acima de qualquer suspeita”; “Um romance muito perigoso”; “Uma história de amor”; “A malvada”; “Encontros e desencontros”; “Paixão e loucura”; “Cruel desengano”; “Quanto mais idiota melhor”; “Assim estava escrito”; “Segredos do passado”; “A outra face da verdade”; “Meu primeiro amor”; “Paixão eterna”; “Um amor verdadeiro”; “Suplício de uma saudade”; “Em algum lugar do passado”; “Tarde demais para esquecer”; “Aconteceu naquela noite” ou “Tudo por amor”.

Não gostou? Paciência! Não me lembro de outros títulos. Invente um melhor. Estamos conversados.

Os sentimentos construídos pela mente do observador de um objeto externo e distante, como no exemplo do exame dos retratos antigos, não são de todo uma percepção passiva. A imagem ou representação global, uma vez instalada, formada por diversas partes, irá provocar sentimentos de alegria ou de tristeza, de raiva ou de solidariedade, tudo fabricado por nossa mente, sem nenhum esforço nosso. É como um filme sem roteiro, que, a cada instante, mostra cenas diferentes e aleatoriamente. Diante de cada cena surgem emoções diferentes que dão origem a sentimentos também diferentes que podem ou não ser descritos através de palavras: “Eu estava feliz naquele dia”; “Como fui ingênuo”; “Devia ter sido mais condescendente”; “Como aguentei aquela diabinha maluca”; “Perdi uma mulher extraordinária. Que bobeira; nunca mais descobri outra igual”.

Durante todo o processo do sentimento - produção e recordação - que pode durar segundo, minutos e dias, paralelamente ocorre um recrutamento dinâmico no corpo: uma mudança continuada do metabolismo, liberação de neurotransmissores e peptídeos, contrações musculares ou relaxamentos, tudo isso conforme as variações dinâmicas das diversas imagens formadas durante nossa viagem à percepção do retrato da paixão de nossa vida, isto é, do sentimento produzido

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