terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Saúde Mental e Trabalho


Vive-se uma época de crise mundial, de transformações econômica, social e política. Na luta pela sobrevivência e realização profissional, observa-se cada vez mais uma centralidade do trabalho na vida dos trabalhadores, em detrimento do tempo de lazer. Além disso, novas formas de organização do trabalho, novas tecnologias e a precarização do mesmo, trazem o temor do desemprego e a intensificação do trabalho. São situações que podem favorecer a saúde ou a doença.
Analisando a inter-relação entre saúde mental e trabalho, há dois aspectos consideráveis: o estresse e os distúrbios psíquicos.
É importante levar em conta o papel da organização do trabalho relacionado aos efeitos negativos ou positivos que esta possa exercer sobre o funcionamento psíquico e a vida mental do trabalhador.
 Entende-se por organização do trabalho a divisão das tarefas e a divisão dos homens. A divisão das tarefas envolve o conteúdo das tarefas, o modo operatório e tudo que é determinado pela organização do trabalho. A divisão dos homens compreende a forma pela qual as pessoas são divididas em uma empresa e as relações humanas que aí se estabelecem. Nesse aspecto, deve-se ter ainda em atenção que nem sempre a organização do trabalho formalizada pela empresa, coincide com a organização do trabalho real, ou seja, com o modo operatório dos trabalhadores. Segundo o  psiquiatra  o descompasso entre as duas favoreceria o aparecimento do sofrimento mental, uma vez que levaria o trabalhador à necessidade de transgredir para poder executar a tarefa.
Em se tratando do estresse, pode ser concebido como um desequilíbrio entre as demandas do trabalho e a capacidade de resposta dos trabalhadores. Jornadas extensas e horas-extras, excesso de trabalho, pressão por produção, metas irreais e sempre crescentes a cumprir, gestão inadequada (por ex. remanejamento para função incompatível às características de personalidade); são alguns problemas relacionados à organização do trabalho e, portanto, potencialmente estressantes. Quantos já não passaram por isto? E como desenvolver uma vida saudável no trabalho?
A situação saudável de trabalho seria aquela que permitisse o desenvolvimento do indivíduo, alternando exigências e períodos de repouso com o controle do trabalhador sobre o processo de trabalho. Não se trata de idealismo, mas uma necessidade vital para a saúde do trabalhador.
Outro conceito relacionado ao tema diz respeito ao desgaste psíquico, que compreende 3 quadros clínicos: O desgaste orgânico da mente (seja em acidentes do trabalho, seja pela ação de produtos tóxicos); o mal-estar psíquico (a fadiga mental e física é uma delas); e nos casos que afetam a identidade do trabalhador, ao atingir valores e crenças que podem ferir a dignidade e a esperança.  Em suma, a inter-relação saúde mental e trabalho abrange do mal-estar ao quadro psiquiátrico, incluindo o sofrimento mental. O sofrimento mental é a experiência subjetiva intermediária entre doença mental descompensada e o conforto (ou bem-estar) psíquico.
Os sinais e sintomas podem caracterizar o medo, estresse, ansiedade (inclusive de teor persecutório), depressão, nervosismo, tensão, perda de apetite, distúrbios de sono, distúrbios psicossomáticos (gastrite, crises hipertensivas), e ainda há aqueles que sonham com o trabalho, sem conseguir desligar-se, etc.
De maneira geral, pode-se afirmar que, quanto menor a autonomia do trabalhador na organização de sua atividade, maiores as possibilidades de que a atividade gere transtornos à saúde mental. Porém, o excesso de trabalho e a pressão por produção ocorrem em todos os degraus da hierarquia. Exemplificando, encarregados e gerentes vivem tais situações assim como operários e empregados de balcão.
 Embora apresentem alta prevalência entre a população trabalhadora, os distúrbios psíquicos relacionados ao trabalho, frequentemente deixam de ser reconhecidos como doentes profissionais, no momento da avaliação clínica. Contribuem para tal fato, entre outros motivos, as próprias características dos distúrbios, regularmente mascarados por sintomas físicos, bem como a complexidade inerente à tarefa de definir-se claramente a associação entre tais doenças e o trabalho desenvolvido pelo paciente.
Outra dificuldade importante refere-se a ausência na Classificação Internacional das Doenças, de um grupo de diagnósticos de distúrbios específicos relacionados com o trabalho. Essa não caracterização do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distúrbios psíquicos, ocasiona prejuízos não só à qualidade e à eficácia do tratamento, como aos direitos legais do trabalhador, que deixa de usufruir de benefícios da Segurança Social aos quais eventualmente tenha direito, como por ex. o subsídio de doença. O desafio seria: reconhecer, diagnosticar e fazer a relação causal dos transtornos mentais com o trabalho, considerando as condições ambientais, a organização e a percepção da influência do trabalho no processo de adoecer.
Além dos aspectos da situação de trabalho há de considerar situações extra trabalho, (assaltos por ex.), que podem atuar de forma conjunta no desencadeamento de transtornos mentais. Embora seja uma realidade mais premente no Brasil, a violência é uma situação que já se preocupa em Portugal. A doença relacionada ao assalto compreende a síndrome pós-traumática. O quadro em geral é de irritabilidade, angústia difusa, reações emocionais exageradas. Além disso, o indivíduo revê e revive mentalmente a cena traumática, acompanhado de mal-estar, às vezes com sudorese e taquicardia. Os pesadelos também repetem o evento traumático com distúrbio de sono e um estado de tensão no qual ocorrem sobressaltos, como se a pessoa estivesse em permanente estado de prontidão.
Diante de qualquer sinal ou sintoma, o trabalhador deve procurar ajuda profissional. No caso dos distúrbios, necessita de uma equipe multidisciplinar para o controle do quadro clínico no sentido de resgatar a sua identidade profissional e social, incluindo tratamento com medicação e psicoterapia.
A evolução dos quadros clínicos depende de todo um suporte fornecido (ou não) pela empresa, sindicato, Centro de Saúde, Segurança Social, familiares e instituições, entendendo tal suporte como um conjunto de ações que resgatem essa identidade.
Nos casos de retorno ao trabalho após afastamentos por distúrbios psíquicos, além do tratamento específico, o suporte por parte dos colegas e chefias também é fundamental.
A problemática da demissão é outra realidade, uma vez que muitos deles são demitidos com o quadro clínico em atividade. A demissão representa a exclusão dos trabalhadores, funcionando a situação de trabalho (com organizações rígidas, pressão do tempo e das gerências, etc), como selecionadora de trabalhadores. Além de gerarem a perda do direito à assistência por parte do convénio ou da Segurança Social, levam à perda da identidade profissional e à piora da qualidade de vida, com a diminuição dos recursos financeiros.
Diante de tal realidade, é importante considerar toda a problemática que envolve as situações de trabalho na vida do trabalhador como um dos determinantes no processo saúde/doença. Favorece uma prevenção adequada, e na presença de qualquer distúrbio, evita que o percurso do trabalhador seja mais doloroso e traumático do que a própria doença lhe impõe.

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