terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A Cronicidade das Patologias Mentais


A realidade que a duração das doenças mentais impõe não é animadora. Dentro da medicina de uma forma geral nenhuma doença é curável com exceção de algumas (maioria) infecções bacterianas e algumas cirurgias, todas as demais enfermidades são apenas controláveis pelas medicações, ou seja, desaparecem espontaneamente ou permanecem continuamente. É um engano julgar que as medicações tratam as patologias: apenas suprimem os sintomas temporariamente, contribuem para a manutenção de uma qualidade de vida aceitável.
A informação mais correta é a que deve ser dada aos pacientes. É tanto inaceitável postergar um tratamento quanto é necessário o uso de medicações, afirmar que as medicações podem curar o paciente. Existe uma tendência universal em se acreditar que a medicação deixou a pessoa boa quando, depois de usada, permite que o paciente fique assintomático. Acreditar que um antidepressivo cura a depressão de uma pessoa se baseia na simples observação temporal de causa e efeito. Esta é uma forma simplista e ingênua de avaliação dos fatos. O máximo que podemos supor até o momento é que os psicotrópicos suprimem os sintomas enquanto a doença não se ameniza ou remite sozinha. O fato de um paciente hipertenso estar com os níveis pressóricos normalizados durante o uso de anti-hipertensivos não significa que ele ficou bom da hipertensão: basta suspender as medicações para verificar o que acontece. Nos transtornos mentais temos verificado que a persistência dos sintomas, ainda que parcialmente, seja um problema não resolvido. Esta cronicidade aliada ao fato do paciente resistir a ideia de que as medicações são ruins cria um ciclo de melhoras e pioras desnecessárias. As medicações são instrumentos valiosos e devem ser reconhecidos como tais; caso contrário estará criando conflitos psicológicos desnecessários para os pacientes. É muito difícil para qualquer paciente assim como para qualquer pessoa aceitar que por causa de uma ansiedade um pouco mais elevada existe a necessidade de se tomar medicações talvez para o resto da vida. Um simples transtorno de ansiedade leve pode ser tolerado por um paciente, mas sabemos que o curso natural desses transtornos, com o tempo, não é bom. As chances dos sintomas se agravarem provocando sofrimento em quem convive com o paciente e ao próprio paciente são elevadas, ainda que o problema seja leve. As chances da patologia se agravar ou se associar a outros transtornos ansiosos e depressivos também é considerável, além de aumentar as chances de dependência química a substâncias ilícitas. A luta do paciente contra os sintomas ao longo de anos pode gerar um desgaste psicológico intratável em curto prazo, mesmo com medicações.
Ainda não existem posturas seguras para o tratamento de longo prazo (anos) dos pacientes. Os psiquiatras ainda não sabem bem o que fazer, mas a tendência que as pesquisas têm mostrado é a necessidade de manter, por cada vez mais tempo, os remédios que obtiveram sucesso no tratamento, o que está se tornando possível graças aos novos psicotrópicos com poucos efeitos colaterais.
A cronicidade das doenças deve ser bem conhecida pelos psiquiatras e psicólogos, pois é comum o julgamento das condutas assumidas por colegas, principalmente quando não são conhecidos. Receber um paciente descompensado quanto ao tratamento e criticar o médico que o acompanha é muito fácil. Assim como é fácil dizer que determinado profissional é bom porque esta ou aquela pessoa ficou boa com ele. Muitas vezes o problema foi embora sozinho e os atributos são conferidos ao profissional, assim como também a culpa pela não melhora dos pacientes. Não se pode julgar um remédio ou um profissional pelo benefício ou falta de benefício obtido. Esse julgamento deve ser realizado com base nas características da doença e sua resposta às medicações empregadas, considerando o tempo e dose empregados.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Saúde Mental e Trabalho


Vive-se uma época de crise mundial, de transformações econômica, social e política. Na luta pela sobrevivência e realização profissional, observa-se cada vez mais uma centralidade do trabalho na vida dos trabalhadores, em detrimento do tempo de lazer. Além disso, novas formas de organização do trabalho, novas tecnologias e a precarização do mesmo, trazem o temor do desemprego e a intensificação do trabalho. São situações que podem favorecer a saúde ou a doença.
Analisando a inter-relação entre saúde mental e trabalho, há dois aspectos consideráveis: o estresse e os distúrbios psíquicos.
É importante levar em conta o papel da organização do trabalho relacionado aos efeitos negativos ou positivos que esta possa exercer sobre o funcionamento psíquico e a vida mental do trabalhador.
 Entende-se por organização do trabalho a divisão das tarefas e a divisão dos homens. A divisão das tarefas envolve o conteúdo das tarefas, o modo operatório e tudo que é determinado pela organização do trabalho. A divisão dos homens compreende a forma pela qual as pessoas são divididas em uma empresa e as relações humanas que aí se estabelecem. Nesse aspecto, deve-se ter ainda em atenção que nem sempre a organização do trabalho formalizada pela empresa, coincide com a organização do trabalho real, ou seja, com o modo operatório dos trabalhadores. Segundo o  psiquiatra  o descompasso entre as duas favoreceria o aparecimento do sofrimento mental, uma vez que levaria o trabalhador à necessidade de transgredir para poder executar a tarefa.
Em se tratando do estresse, pode ser concebido como um desequilíbrio entre as demandas do trabalho e a capacidade de resposta dos trabalhadores. Jornadas extensas e horas-extras, excesso de trabalho, pressão por produção, metas irreais e sempre crescentes a cumprir, gestão inadequada (por ex. remanejamento para função incompatível às características de personalidade); são alguns problemas relacionados à organização do trabalho e, portanto, potencialmente estressantes. Quantos já não passaram por isto? E como desenvolver uma vida saudável no trabalho?
A situação saudável de trabalho seria aquela que permitisse o desenvolvimento do indivíduo, alternando exigências e períodos de repouso com o controle do trabalhador sobre o processo de trabalho. Não se trata de idealismo, mas uma necessidade vital para a saúde do trabalhador.
Outro conceito relacionado ao tema diz respeito ao desgaste psíquico, que compreende 3 quadros clínicos: O desgaste orgânico da mente (seja em acidentes do trabalho, seja pela ação de produtos tóxicos); o mal-estar psíquico (a fadiga mental e física é uma delas); e nos casos que afetam a identidade do trabalhador, ao atingir valores e crenças que podem ferir a dignidade e a esperança.  Em suma, a inter-relação saúde mental e trabalho abrange do mal-estar ao quadro psiquiátrico, incluindo o sofrimento mental. O sofrimento mental é a experiência subjetiva intermediária entre doença mental descompensada e o conforto (ou bem-estar) psíquico.
Os sinais e sintomas podem caracterizar o medo, estresse, ansiedade (inclusive de teor persecutório), depressão, nervosismo, tensão, perda de apetite, distúrbios de sono, distúrbios psicossomáticos (gastrite, crises hipertensivas), e ainda há aqueles que sonham com o trabalho, sem conseguir desligar-se, etc.
De maneira geral, pode-se afirmar que, quanto menor a autonomia do trabalhador na organização de sua atividade, maiores as possibilidades de que a atividade gere transtornos à saúde mental. Porém, o excesso de trabalho e a pressão por produção ocorrem em todos os degraus da hierarquia. Exemplificando, encarregados e gerentes vivem tais situações assim como operários e empregados de balcão.
 Embora apresentem alta prevalência entre a população trabalhadora, os distúrbios psíquicos relacionados ao trabalho, frequentemente deixam de ser reconhecidos como doentes profissionais, no momento da avaliação clínica. Contribuem para tal fato, entre outros motivos, as próprias características dos distúrbios, regularmente mascarados por sintomas físicos, bem como a complexidade inerente à tarefa de definir-se claramente a associação entre tais doenças e o trabalho desenvolvido pelo paciente.
Outra dificuldade importante refere-se a ausência na Classificação Internacional das Doenças, de um grupo de diagnósticos de distúrbios específicos relacionados com o trabalho. Essa não caracterização do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distúrbios psíquicos, ocasiona prejuízos não só à qualidade e à eficácia do tratamento, como aos direitos legais do trabalhador, que deixa de usufruir de benefícios da Segurança Social aos quais eventualmente tenha direito, como por ex. o subsídio de doença. O desafio seria: reconhecer, diagnosticar e fazer a relação causal dos transtornos mentais com o trabalho, considerando as condições ambientais, a organização e a percepção da influência do trabalho no processo de adoecer.
Além dos aspectos da situação de trabalho há de considerar situações extra trabalho, (assaltos por ex.), que podem atuar de forma conjunta no desencadeamento de transtornos mentais. Embora seja uma realidade mais premente no Brasil, a violência é uma situação que já se preocupa em Portugal. A doença relacionada ao assalto compreende a síndrome pós-traumática. O quadro em geral é de irritabilidade, angústia difusa, reações emocionais exageradas. Além disso, o indivíduo revê e revive mentalmente a cena traumática, acompanhado de mal-estar, às vezes com sudorese e taquicardia. Os pesadelos também repetem o evento traumático com distúrbio de sono e um estado de tensão no qual ocorrem sobressaltos, como se a pessoa estivesse em permanente estado de prontidão.
Diante de qualquer sinal ou sintoma, o trabalhador deve procurar ajuda profissional. No caso dos distúrbios, necessita de uma equipe multidisciplinar para o controle do quadro clínico no sentido de resgatar a sua identidade profissional e social, incluindo tratamento com medicação e psicoterapia.
A evolução dos quadros clínicos depende de todo um suporte fornecido (ou não) pela empresa, sindicato, Centro de Saúde, Segurança Social, familiares e instituições, entendendo tal suporte como um conjunto de ações que resgatem essa identidade.
Nos casos de retorno ao trabalho após afastamentos por distúrbios psíquicos, além do tratamento específico, o suporte por parte dos colegas e chefias também é fundamental.
A problemática da demissão é outra realidade, uma vez que muitos deles são demitidos com o quadro clínico em atividade. A demissão representa a exclusão dos trabalhadores, funcionando a situação de trabalho (com organizações rígidas, pressão do tempo e das gerências, etc), como selecionadora de trabalhadores. Além de gerarem a perda do direito à assistência por parte do convénio ou da Segurança Social, levam à perda da identidade profissional e à piora da qualidade de vida, com a diminuição dos recursos financeiros.
Diante de tal realidade, é importante considerar toda a problemática que envolve as situações de trabalho na vida do trabalhador como um dos determinantes no processo saúde/doença. Favorece uma prevenção adequada, e na presença de qualquer distúrbio, evita que o percurso do trabalhador seja mais doloroso e traumático do que a própria doença lhe impõe.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Quais as diferenças entre Psiquiatra, Psicólogo, Psicanalista e Psicoterapeuta?

Há, frequentemente, dúvida sobre as diferenças entre psicólogo, psiquiatra, psicanalista e psicoterapeuta. Embora, estes profissionais possam trabalhar em campos ligados à saúde mental e compartilhem da missão de atender pessoas que anseiam por mudanças em relação ao que fazem ao que sentem e ao que pensam, diferenças importantes podem ser identificadas. Tais diferenças concentram-se na formação do profissional, no modo de compreender o complexo fenômeno do comportamento humano e, consequentemente, nos métodos de intervenção.

O psiquiatra é um profissional com formação em Medicina e com especialização em Psiquiatria. Após a faculdade, então, faz residência em instituições de saúde mental, clínicas e hospitais psiquiátricos. Os conhecimentos desta área e especialidade médica concentram-se nos comportamentos que fogem à "normalidade". Desta forma, o médico psiquiatra está preparado para lidar com os mais variados transtornos mentais (depressão, psicoses, etc). Ele faz uso do sistema de diagnóstico baseado em manuais como CID10 – Código Internacional de Doenças e DSM-IV – Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. E a principal forma de intervenção utilizada por este profissional é a prescrição de medicamentos como antidepressivos, ansiolíticos e outros psicofármacos.

O psicólogo é um profissional que concluiu a graduação em Psicologia, podendo atuar na área clínica, organizacional, educacional, esportiva e outras. Pode, ainda, atuar com pesquisa em universidades, contribuindo assim para descobertas sobre as variáveis relacionadas ao comportamento humano, normal ou desviante, nos mais variados contextos. Para atuar na área clínica, o psicólogo geralmente complementa a sua formação com cursos (especialização, pós-graduação stricto sensu e lato sensu); ele utiliza a psicoterapia, um conjunto de técnicas e meios para analisar e intervir nos problemas emocionais, comportamentais e/ou transtornos mentais. Na psicoterapia, o psicólogo, através da mediação verbal, conduz o seu cliente a um processo em que este se torna mais consciente das coisas que faz, pensa e sente no seu dia-a-dia e busca proporcionar e ele a aprendizagem de novos comportamentos para lidar com as suas dificuldades. O psicólogo que trabalha com psicologia clínica é também chamado de psicoterapeuta. Embora a psicoterapia derive de teorias psicológicas, o psiquiatra com treinamento adicional e outros profissionais têm, também, utilizado a psicoterapia e se identificado como psicoterapeutas.

Já o psicanalista é um profissional de nível superior, muitas vezes psicólogo ou médico, que faz, posteriormente, um curso numa instituição psicanalítica e submete-se à Psicanálise. Ele atende pessoas com demandas análogas àquelas apresentadas ao psicólogo e psiquiatra. Na Psicanálise, são utilizadas as teorias da personalidade e métodos de tratamento introduzidos por Sigmund Freud. Embora, muito difundida, a Psicanálise, diferente da Psiquiatria e Psicologia, não tem status científico e sua eficácia parece questionável quando se observa o tempo em que os clientes de psicanalistas passam pelo processo psicanalítico sem qualquer melhora significativa.

Pesquisas citadas nas publicações da OMS – Organização Mundial de Saúde e NIMH – National Institute of Mental Health (Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA) têm apontado a combinação de psicofármacos e psicoterapia (tratamento psicológico) como uma das formas em que as pessoas mais se beneficiam quando carecem de intervenção para algum transtorno mental. Assim, quando se busca o psiquiatra e ele faz o encaminhamento para o psicólogo clínico, após a prescrição de um medicamento, resultados mais rápidos podem ser obtidos. O mesmo pode acontecer quando o psicólogo identificando um contexto/ momento crítico pelo qual seu cliente está passando (p. ex. transtorno de estresse pós-traumático após um acidente automobilístico) pode encaminhar seu cliente para o psiquiatra no intuito de que ansiolíticos, antidepressivo ou outros medicamentos possam ser prescritos.