Há dias em que a euforia bate no céu. Em outros a depressão leva ao fundo do poço. A novidade sobre essa gangorra de emoções é que os cientistas confirmam a suspeita de que uma molécula presente no cérebro e no sangue pode apontar a predisposição para a doença (sim, é doença!) com boa margem de segurança. É como levar uma vida dupla. Uma hora a euforia toma conta e leva o organismo ao seu limite de excitação, até mesmo sexual. É energia que não acaba mais, a ponto de o sono tornar-se quase desnecessário. Perde-se a capacidade de julgamento e a autocrítica e há quem se torne irritadiço.
Para descrever esse estado de ânimo os médicos utilizam o termo mania. Ela é um dos extremos de uma doença caracterizada por uma profunda instabilidade de humor, o qual oscila entre esse estado eufórico intenso e o seu oposto, a depressão. Para os portadores do transtorno bipolar, doença que há poucos anos era conhecida como psicose maníaco-depressiva, encontrar o equilíbrio entre as duas pontas das emoções radicais é como tentar andar sobre um terreno movediço. É o pessoal do oito ou oitenta. Diferente de quem tem um humor saudável, os que sofrem desse transtorno não costumam ser previsíveis ou flexíveis e também não respondem com proporcionalidade aos estímulos. Acredita-se que 1% da população mundial conviva com o tipo 1 da doença, considerado o mais grave.
Pode até parecer pouco, mas na verdade o transtorno bipolar é um tormento para muito mais gente. Estima-se que cerca de 5% dos brasileiros tenham instabilidades de humor em algum grau. Feitos os cálculos, os brasileiros alterados somam aproximadamente 9 milhões. Muitos deles nem sabem do próprio distúrbio. Outros, ainda pior, são tratados da maneira errada. Nesses casos o diagnóstico costuma ser esquizofrenia ou simplesmente depressão.
Sabe-se que essa é uma doença em grande parte determinada pelo histórico familiar. Uma criança que tem um dos pais com transtorno bipolar apresenta uma probabilidade de 15% a 20% de manifestar o mesmo problema. Um estudo, realizado com gêmeos idênticos, mostrou ainda que, se um deles tem a doença, o risco de o outro também vir a ser uma vítima é de 80%. A mais recente descoberta sobre a origem do mal vem de um grupo de pesquisa do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Os cientistas andavam em busca de uma pista sobre a relação entre o transtorno bipolar e a molécula BDNF (sigla em inglês para fator neurotrófico derivado do cérebro), cuja atuação na memória já era bem conhecida. As evidências dessa ligação ficaram muito claras em seu estudo.
O trabalho mostrou que os bipolares têm menos BDNF no sangue do que as pessoas normais. Quanto menores os teores no sangue, maior a gravidade da doença. Como os níveis dessa molécula são ditados pela genética, a esperança é de que ela possa vir a ser um marcador da doença. O teste ainda é experimental, mas deverá se tornar rotina médica nos próximos anos.
Como todo distúrbio da mente humana, a bipolaridade também é determinada pela maneira como lidamos com as adversidades. Muitas vezes pode-se herdar o gene que leva a uma predisposição, mas, sem um evento estressante, o transtorno não se desenvolve. Em caso de estresse emocional ou abuso de drogas, os riscos ficam de quatro a cinco vezes maiores. O problema geralmente dá as caras no final da adolescência e no início da vida adulta, mas as crianças também são o alvo. Na infância, aliás, não raro ele ser confundido com distúrbio do déficit de atenção e hiperatividade. Crianças diagnosticadas assim, mas que não respondem ao tratamento pode ter na realidade o transtorno bipolar. Descobrir a doença cedo e controlá-la o quanto antes ajuda seu portador a levar uma vida normal.
As oscilações do humor podem ser trágicas. Uma depressão prolongada, daquelas que chegam a durar meses ou mesmo anos, muitas vezes são o estopim de uma tentativa de suicídio. No outro extremo, o da mania, algumas semanas de crise são suficientes para pôr toda uma vida a perder. Relações são desfeitas e o dinheiro economizado por décadas, torrado em poucos dias. Não precisa ser assim. O.k., não há cura para o transtorno bipolar, mas, como outras doenças crônicas, trata-se de um mal controlável.
Em casos de bipolaridade, os remédios conhecidos como estabilizadores do humor são fundamentais para o tratamento do tipo 1 e para alguns pacientes do tipo 2, como os médicos chamam uma forma mais moderada do transtorno. Qualquer que seja o tipo, porém, o maior problema costuma ser a resistência do paciente a tomar os medicamentos. Um dos motivos está nos efeitos colaterais. O lítio, por exemplo, que ainda é uma das drogas mais usadas, pode provocar ganho de peso, tremores, aumento do apetite e retenção de líquido um sufoco que, parece, as mulheres têm ainda mais dificuldade para enfrentar. Porém, os benefícios são muito maiores do que os efeitos colaterais. Mas é bom que fique claro: nenhum remédio, sozinho, opera milagres. Ele pode restaurar o equilíbrio químico dentro do cérebro, mas e as emoções?
Hoje, até os cartesianos mais ferrenhos já deixaram de considerar a mente e o corpo como estruturas absolutamente separadas. No caso do transtorno bipolar, diga-se, estão intimamente ligadas. E é aí que entra a psicoterapia, como peça fundamental do tratamento dos bipolares. Não se trata de uma doença mental apenas, mas um mal sistêmico que afeta o indivíduo como um todo. Esse paciente requer uma equipe multidisciplinar. Descobriu-se que os pacientes bipolares têm no cérebro uma quantidade menor de enzimas antioxidantes em comparação com o resto da população. Essas substâncias são essenciais para a manutenção da saúde ao evitar mutações genéticas que podem dar início ao câncer, por exemplo. Os bipolares têm maior incidência de morte por tumores, doenças cardiovasculares e diabetes. A busca é por métodos que permitam aos pacientes ficar livres não só das alterações do ânimo, mas de outros danos.
Doença do corpo e da mente, a bipolaridade também pode se enquadrar em outra categoria, a de doença social. Afinal de contas, muitas vezes não é o transtorno em si o que mais preocupa os pacientes, mas a reação das outras pessoas. Em outras palavras, é preconceito mesmo. E contra isso muitas vezes o melhor antídoto é fazer parte de um grupo. O convívio social faz parte da terapia porque o doente discute situações comuns a todos os portadores e um ajuda o outro.
Ora, se a vida é dupla e a doença é tripla, a conta só fecha porque as soluções são múltiplas. O sobe-e-desce das emoções. As fases eufóricas são chamadas de mania. As mais brandas, de hipomania. Podem durar de alguns dias até longos meses, assim como as fases da depressão.